Macaé, Um Pouco de Cada Um

Marcelus Siqueira
Bacharelando em Comunicação Social
Faculdade Salesiana Maria Auxiliadora

Resumo

Este artigo procura retratar Macaé sob a ótica do processo de desenvolvimento que a cidade passou e ainda passa nesses 30 anos (aproximadamente). Tudo em conseqüência da descoberta do petróleo em seu território e a partir daí, sua globalização. Com uma literatura simples e objetiva, a trajetória  é mostrada com a intenção de,  por um instante, relembrar um período de adaptação a uma nova realidade e refletir sobre perspectivas que estarão por vir.

Palavras-chave: progresso, regionalização e petróleo

 

ABSTRACT

This article tries to portray Macaé under the optics of the development process that the city of  passed and it still passes on those 30 years (approximately). Everything in consequence of the discovery of the petroleum in its territory and starting from there, its global world. With a simple literature and it objectifies, the trajectory is shown with the intention of, for an instant, to recollect a adaptation period to a new reality and to contemplate on perspectives that will be for coming.

Key Words: progress, regionalization and petroleum

 

Macaé, é uma pequena cidade ao Norte do Estado do Rio,  pacata e com características interioranas até a descoberta do petróleo em suas águas na década de 70. Já no final da década citada, viam-se caminhões transportando enormes blocos de pedras para serem despejadas na praia de Imbetiba na construção dos quebra-mares e do pier, localizados numa área reservada para as instalações da futura Sede da Petrobras, local ocupado até então pela antiga oficina  de manutenção de trem da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA).

Naquela época, Macaé era muito visitada por turistas das mais diversas regiões. A praia de Imbetiba, local preferido dos visitantes, reunia um grande número de pessoas que passeavam pela orla marítima. Em boa parte desta extensão, limite entre a areia e o calçadão, além de amendoeiras frondosas, havia uma muralha construída de pedras cuja finalidade era  conter a força do mar na época de ressaca. Neste período, os admiradores do banho de mar podiam  deliciar–se com este fenômeno da natureza. Com a chegada da ressaca o mar ficava furioso, o volume de água aumentava muito. Com as enormes ondas que se formavam, as águas eram lançadas varrendo toda a areia e transbordando por cima deste paredão de pedra, formando assim, uma cachoeira de água salgada. Crianças, adultos e idosos banhavam-se com total segurança.  

Como se pode perceber, Imbetiba era parte do um palco dos acontecimentos da cidade. Pela manhã, tarde ou noite, sempre tinha alguém com quem se pudesse trocar algumas palavras, atualizar-se dos ocorridos, saborear um picolé de fruta na fresquinha do mar, enfim, viver a vida.

Num determinado dia, o sol era escaldante e o local estava tomado por banhistas. Um barulho forte de motor chamou a atenção. O paredão estava sendo derrubado para a entrada daqueles caminhões carregados de pedra. No momento, a primeira impressão que passou foi  de alegria e/ou dor.

O que se acompanhava através dos veículos de comunicação da cidade, estava se concretizando. O progresso começava a mostrar uma de suas faces. Naquele momento era explícita a demonstração de força, violência e autoritarismo cometido contra uma cidade que tivera "a sorte" de possuir o "ouro negro".

Um novo tipo de indivíduo se instalou no meio daquele morador habitual que ainda tinha guardado em seu presente o Afoxé, o 860 (Oito Meia Zero), a Toca do Toti, o Mocambo, o Bar e Boate Redondo, o Hotel Panorama e muitos outros  pontos que serviram de encontros e reencontros para  uma geração que tem histórias para contar. O conflito foi inevitável.

Baseado nesse e em tantos outros fatos  pode-se imaginar o impacto sofrido por uma geração que de repente acordou numa cidade das maravilhas. Este impacto foi  mais forte em uns do que em outros. Ele pode ser analisado de vários ângulos. Cito aqui apenas um, porém de grande importância, a de uma categoria mais sensível, apelidada de "os minhocas da terra" o movimento S.O.S. PECADO. É uma iniciativa de quem defende suas raízes, o patrimônio histórico, as áreas de preservação, os costumes, o respeito ao espaço do próximo. Seus integrantes passaram a questionar os interesses e as atitudes perversas dos  cidadãos do mundo globalizado, sedentos de poder,  que diante das  perspectivas que a cidade oferecia, não mediam as conseqüências.

Nessa nova fase, passaram a fazer parte do dia-a-dia, circulando pelas ruas, americanos, ingleses, dinamarqueses e etc. Chegavam e tomavam conta (literalmente) de todos os ambientes, por ter um poder aquisitivo alto e serem de países mais desenvolvidos. Clubes, bares, restaurantes,  estavam em todos os lugares, obrigando os moradores locais a se acostumarem com essa nova realidade com a qual  teriam de aprender a conviver. Para a ótica desses estrangeiros, recém-desembarcados, com uniformes de empresas multinacionais de petróleo, todas as mulheres com quem se encontrassem eram de vida fácil. Desrespeitavam e abusavam de qualquer pessoa do sexo feminino que lhes despertasse interesse, estando ou não acompanhada. Desavenças eram constantes. Era este o preço que se tinha de pagar nesse período transitório vivido no município.

Com o mercado de trabalho próspero, oferecendo vagas para diversas profissões, a procura era muito grande, inclusive de pessoas de outros lugares. Os cargos oferecidos tinham nomes estranhos. Não se sabia ao certo o que era para fazer ou nem para que serviam, porém, pelo termo aplicado, não era pouca coisa e tinha-se que ter, no mínimo, o nível técnico. O que dificultava para os macaenses que almejavam ocupar as vagas era exatamente a qualificação exigida. Desse detalhe as autoridades se esqueceram.

Não era fácil conseguir uma vaga. Ter que disputar com profissionais recém- formados, vindos de fora, falando um ou mais idiomas, era covardia competir.

Quem não tivesse uma família com uma condição financeira boa para mantê-lo num bom curso, em um grande centro, ficava à mercê do que a cidade oferecia, que não era muita coisa. Para disputar o subemprego, ainda havia os brasileiros vindos de todas as partes do país, trazendo suas famílias e problemas sociais de origem.

A única escola de nível técnico que a cidade possuía era o SENAI,  desativado com a chegada da Petrobras. Ficou realmente difícil, mas nunca impossível

O mercado imobiliário explodiu. Tentaram lotear até a lagoa de Imboassica, se não fosse a presença de pessoas de bom senso (os "minhocas da terra" que já contavam com simpatizantes vindos de fora)  para embargar a obra, teríamos acompanhado o assassinato de uma lagoa, que ainda conserva características só existentes no Brasil. Os aluguéis e vendas de imóveis foram  sendo cada vez mais valorizados. De forma criminosa os loteamentos foram surgindo, sem nenhuma infra-estrutura, agredindo a tudo que viesse a ameaçar o avanço do progresso. Os senhores de terras locais, que hoje são os verdadeiros responsáveis pelos crimes ambientais cometidos contra a natureza no município, em momento nenhum se preocuparam com o bem- estar da região e do seu povo, que sempre contribuiu para o enriquecimento dos mesmos.

Era complicado lidar com essa situação. A palavra "região" é o que privilegia um território como momento de nascimento de um povo. Mudar esta concepção gera um processo lento e trabalhoso. O que venha mudar universos culturais, éticos, religiosos e/ou políticos, apresenta dificuldades graves de aceitação ou assimilação pelo imaginário de quem se sente ameaçado. Ao contrário de quem vem de fora, cujo imaginário é totalmente explorador. Quer enriquecer-se, retirar tudo o que for de valor da região e depois partir sem deixar uma semente plantada para os que vierem atrás. O  Estado precisa ficar atendo a esta situação.

Passaram-se três décadas e vivencia-se hoje uma realidade diferente, com mais oportunidades e ofertas, isso é verdade. A cidade continua passando por processos de transformações que envolvem a área social, educacional, industrial, urbana, cultural e etc.. É óbvio que uma região que vive da extração do petróleo não poderia ter uma característica diferente da qual estamos vivendo. Porém, o que não justifica é a falta de atenção a determinados pontos que deveriam ser mais focados. Por exemplo, se fizermos um turismo por Macaé e verificarmos seus arredores com atenção, será difícil acreditar, que esta, seja uma  cidade que movimenta milhões e milhões de dólares por ano.

Como não se deve somente criticar, cito que o que vem sendo feito tem seus méritos e isso não se pode negar. Problemas todos têm e existem para serem resolvidos. Como já foi falado, as oportunidades realmente estão surgindo. Neste ponto, podemos valorizar a iniciativa de quem se propôs a trazer o ensino superior para a cidade. Apesar de ainda não dispor de uma variedade maior de cursos, o que será ideal para atender a todos que estiverem interessados em se prepararem para o mercado de trabalho, alguns já são oferecidos. Como o forte do mercado de trabalho é a área petrolífera, já existem cursos preparatórios para tal. Atualmente, existem opções  voltadas  para outras áreas. Cabe aos interessados escolherem. É interessante atentar para a importância de se buscar  o crescimento intelectual e profissional. Não existe outro caminho que leve ao sucesso que não seja esse. Para acompanhar o progresso e se manter no mercado exigem-se esforço e muita força de vontade. O poder econômico beneficia somente uma minoria.

O que se deve esperar de todas estas situações que se levantam e que estão sendo criadas é que se valorize a cultura do local e para isso a educação é a melhor forma de se preparar , mesmo sendo ela hoje uma cultura "globalizada", sem fronteiras. A consciência local deve ser tratada como prioridade, e para isso precisa-se do apoio de todos. A região tem uma localização geográfica privilegiada e é necessário  cobrar das autoridades a sua preservação.

Uma cidade como Macaé, que tem um reconhecimento mundial, não pode mais ser tratada da forma como vem sendo. Se já esteve próximo de sediar competições mundiais é por que tem potencial. Portanto, a administração municipal tem por obrigação agora sustentar seu desenvolvimento, explorar suas fontes de riquezas e protegê-las antes que o poder econômico, com especial atenção para a especulação imobiliária, tome conta e acabe com tudo. É importante que se valorize o ecossistema, pois é uma fonte de renda inesgotável e que poderá trazer sempre bons lucros, tanto para os cofres públicos como também para o habitat. O petróleo não é uma fonte renovável, um dia ele acaba.

Na região serrana de Macaé encontramos, independente da ocasião, indivíduos de várias regiões, inclusive estrangeiros fazendo turismo rural (caminhando, de bike, off road, canoagem). Com tudo isso conclui-se que existe uma demanda. É só explorar de forma inteligente. Os mesmos movimentos de defesa do meio-ambiente (citados no início desse artigo) que se empenharam no começo desta parte da história de Macaé, agora com apoio de outros, continuam firmes e acreditando que é possível virar este jogo,  sensibilizar os poderosos a reverem os conceitos. Não existe mais tempo para promessas. A ação tem que ser imediata. É um marketing forte, trabalhar pela natureza.

Óleo, gás e qualidade de vida não devem ser privilégio de quem chegou por último e sim de todos, pois quando eles chegaram já se tinha tudo isso em Macaé. Eles simplesmente  foram os exploradores. Portanto, têm a obrigação de manter conservado e protegido aquilo que encontraram.

O significado da palavra progresso parece ter um outro significado. Ela geralmente vem acompanhada de destruição, miséria e isso é inadmissível. Não é pelo fato de que em outros lugares se tenha esta concepção  que aqui deve-se acatá-la também. Pode-se fazer um diferencial, atitude inteligente!

Progredir é crescer, apresentar possibilidades, promover as atividades locais, tornar viáveis os recursos agrícolas, da pecuária, da pesca e do turismo. Do que um administrador mais precisa para tornar possível os projetos de desenvolvimento, Macaé tem de sobra,  basta cumprir com as responsabilidades assumidas com o povo, respeitando o Estatuto da Cidade, lei n.º 10.257 de 10/06/2001 que estabeleceu as diretrizes gerais de política urbana no país.

O que torna a situação mais surpreendente é a lembrança do passado. Quando quem hoje administra, ontem parecia não saber. Quem cobra aproximação, esbanjava  carinho, carisma e cordialidade. Era uma política mais pura, diferente da praticada.

Todos foram envolvidos pelo progresso. Se olharem para o passado, poderão confirmar o que está sendo mostrado. Óleo, gás e qualidade de vida sempre existiram  e não é justo destruir o que natureza oferece sem cobrar. O progresso é uma conseqüência da vida. O que não se deve é interferir neste processo, buscando de maneira criminosa a antecipação em benefício próprio.

Como todo bom macaense que ainda carrega o "né!!!" no final de cada frase, das corridinhas e dos pedais, freqüentador da praia do pecado, praticante do surf e do futebol de praia, mesmo que,  por algumas divergências, criticado por manter o hábito da vida mansa, do banho de mar e do contato direto com a natureza, das gírias e dos apelidos, deixo o meu recado: aqueles que pensaram que poderiam um dia invadir a nossa praia lembrem-se de que, Macaé pertence ao planeta Terra e cabe a todos que se sentirem macaenses protegê-la destes animais predadores.