Macaé: de baleneário a porto

Daniele Taranto Pereira dos Santos
Bacharelanda em Comunicação Social
Faculdade Salesiana Maria Auxiliadora

Resumo

Este artigo mostra como assunto os efeitos fundamentais do progresso econômico na cidade de Macaé, desde a chegada da Petrobras até hoje em dia, focalizando a perda de identidade de seus habitantes, relacionada ao crescimento de população descontrolado devido ao crescimento econômico.

Palavras-chave: Petrobras, Progresso, Identidade

 

ABSTRACT

This paper shows as subject key effects of the economical progress in the town of Macaé, since the arrival of Petrobras till nowadays, focusing the identity loss from your inhabitants, related to the uncontrolled population growth due to the economical growing.

Key words: Petrobras, Progress, Identity

 

A cidade de Macaé sente na pele os efeitos da globalização. Antiga cidade pacata, paraíso turístico de mineiros e campistas que descansavam e se divertiam ao som das ondas do mar da Praia de Imbetiba. Hoje se transformou numa "terra de ninguém". Sofreu uma profunda perda de raízes e identidade. Foi abalada pelo inchaço populacional advindo pela chegada de tanta gente em busca de emprego e qualidade de vida.

Nem a praia é mais a mesma: hoje a vista que se pode ter dela inclui navios enormes e plataformas ultramodernas. O cartão postal da cidade é a Petrobras. De balneário a capital do petróleo, não se sabe quem perdeu mais: a cidade ou o seu povo. Ou quem ganhou mais...

Remontando o quebra-cabeça da história de Macaé, pode-se destacar como sua primeira atividade econômica a pesca, alimentada pela crescente abundância de peixes na região, seguida da agricultura que possibilitou a elevação de Macaé à categoria de vila.

No início do século XIX, começa a exploração de madeira e a produção agrícola aumenta: cereais, feijão, arroz, fumo. As terras, às margens do rio, eram fertilíssimas. A vila então cresce e começam a surgir as primeiras indústrias que desenvolveram rapidamente e destacaram-se pela qualidade e beleza de seus produtos ( pode-se citar as fábricas de tamancos e mais tarde, as de sandálias ).

Na segunda década do século XIX, a cidade obtém a emancipação. Em muito pouco se parecia com a Macaé de hoje e o faz somente por suas belezas naturais. Mas o primeiro eldorado de sua história estava ainda por vir: em 1848 acontece o primeiro ciclo de progresso da cidade, com a construção do canal Macaé-Campos que aumentou, consideravelmente, a economia do município. O canal foi importante para a economia macaense sobretudo porque possibilitou a descoberta de novos mercados via Rio Paraíba, para todos os produtos macaenses, em maior escala café e sal refinado , pois o município era o celeiro no Norte Fluminense.

Em 1878 é fundada a primeira usina de açúcar da América do Sul, no antigo distrito de Quissamã, o que também gerou grande desenvolvimento para a cidade. Um pouco mais tarde, por aqui passaram fábricas de fósforo e sabão, exploração de minério ( areia dourada de grande poder de resistência ao calor, utilizada na indústria de fundição ), que na época foi uma boa fonte de receita, pois era vendido para os grandes centros e chegou a ser exportado para Portugal e outros países da Europa. Tempos depois, em virtude de novas tecnologias aplicadas nos sistemas de fundições, o produto ficou superado.

Em 1922, a população da cidade se restringia a 54.892 habitantes, incluindo os distritos já emancipados. É curioso notar que a maior parte da população não se concentrava na área urbana, mas na zona rural, devido à pecuária e à agricultura. Hoje, segundo dados do IBGE, a população fica em torno de 130.000 habitantes. Não podemos esquecer a população flutuante que lota os hotéis durante a semana, mas não investe na cidade nem gasta aqui seu dinheiro. A cidade sofre os abalos, mas não sente o retorno daqueles que aqui vêm trabalhar.

Muitos vêm em busca de um sonho que nem sempre se concretiza. Vemos então inúmeras favelas e muitos mendigos pelas ruas, tendo cerca de 20% da população morando em áreas invadidas. Outros vêm pela exigência do mercado, que a princípio não oferecia mão-de-obra qualificada (até hoje a mão-de-obra especializada é precária). Até hoje isso deixa um certo descontentamento nos macaenses, pois somente agora temos faculdades na cidade, mesmo assim restringindo a alguns cursos, havendo ainda a necessidade de deslocamento para outros municípios em busca do ensino superior. Essa mão-de-obra qualificada que aqui aportou em final dos anos 70 e até hoje é exigência do mercado, é uma tendência da globalização que se pode sentir no mundo todo, e ainda mais quando se vive numa cidade considerada o "Texas brasileiro". Devemos ter presente que esse termo lembra alta qualidade de vida, anseio de todos, mas a cidade possui ainda carências no setor de saúde, moradia, esgoto, água tratada etc..

A nossa infra-estrutura é ruim. Temos a mesma rede de esgoto construída na década de 30. Talvez por motivos como esse haja intolerância por parte dos macaenses natos em relação aos governantes e migrantes, pois os que aqui nasceram e viveram puderam acompanhar as sucessivas modificações da cidade e a falta de interesse dos governantes locais. Não houve uma política de planejamento na cidade para receber as pessoas que para cá se mudaram, e o aumento da violência é claro para qualquer um que aqui viva: a criminalidade cresce mais do que na capital. O índice de homicídios aumentou escandalosamente, nada é feito para sanar tal problema. Para completar, a cidade só recebe críticas daqueles que aqui encontraram emprego e moradia.

Em uma entrevista ao Sr. André, farmacêutico, 36 anos, casado, macaense, a indignação é clara:

"as pessoas que vêm de fora devem ter mais participação na política e na economia da cidade e não ficar somente sugando e criticando a mesma, dizendo que Macaé não tem profissionais competentes, nem comércio adequado. Afinal de contas, se eles não colaboram para que a cidade melhore, não podem criticá-la, já que eles também são parte dela e não somente forasteiros."

 

Segundo o editorial do "Macaé Jornal" da última semana do mês de junho/2003, cujo assunto era a vinda de uma refinaria para a cidade, há a seguinte afirmativa:

 

"de acordo com opiniões colhidas com macaenses representantes de segmentos representativos de Macaé sobre a possível vinda de uma refinaria para a cidade, elas acham que a vinda da Petrobras para Macaé foi muito importante, pois contribuiu para geração de empregos para os nativos, melhorou o nível cultural da cidade e proporcionou oportunidades de negócios num mercado cada vez mais aquecido. Mas as mesmas pessoas que aqui nasceram e foram criadas, acostumadas ao ritmo pacato da cidade, também sofrem pela perda da identidade da cidade e das tradições e se espantam ao se depararem com notícias destacando Macaé como a quarta melhor qualidade de vida do estado e logo se lembram do choque social que a cidade sofre e poderia sofrer ainda mais com a vinda da refinaria, e não gostaria de tê-la por aqui, ressaltando que a cidade tem dinheiro suficiente para ser realmente um bom lugar de se viver e que só a Petrobras nos basta".

 

Nestas declarações ficam claros os benefícios que o progresso trouxe à cidade, assim como os problemas . A vinda de estrangeiros proporcionou aumento na prostituição: temos áreas destinadas a tal ramo no centro da cidade e em restaurantes respeitados. Pode-se estar jantando ou passeando com a família e presenciar uma negociação do sexo, sem que ao menos se disfarce ou tenha a intenção de fazê-lo.

O custo de vida aqui é altíssimo. Imóveis são pagos em dólar pelas multinacionais, tornando, muitas das vezes, inviável para brasileiros (não somente macaenses) pagarem tais aluguéis ou mesmo comprarem um imóvel, mesmo que ele seja distante do centro e fique em áreas não muito valorizadas.

Assim como em 1930, Macaé vive uma fase em que a economia e toda a vida macaense vive em função de um único produto; naquela década, a cidade vivia o Ciclo do Café; com a crise mundial em 1929, também sofremos as conseqüências e com a queda dos preços internacionais do produto, agravados pelo excesso de produção e pelas ofertas do mercado interno, Macaé teve sua primeira bancarrota. Tudo virou sucata, indústrias fecharam, os imóveis se desvalorizaram em mais de sessenta por cento. As terras foram abandonadas por lavradores e proprietários.

Mais ou menos dessa forma vivemos hoje: em torno do petróleo, que dá muito lucro à cidade, seja em forma de royalties ou de PIB per capita elevado ( vale a pena lembrar que as desigualdades são enormes, pois é para poucos ), o problema é que o petróleo não é eterno. Urge que se faça algum planejamento a longo prazo para que a cidade sobreviva ao fim de mais esse ciclo e não aconteça como em 1930.

Uma saída para tal preocupação seria fomentar o turismo macaense, já que temos uma natureza exuberante: serra e mar, coexistindo numa mesma cidade privilegiada pelas belezas naturais. Temos cachoeiras lindíssimas e algumas ainda quase virgens, praias bonitas, uma orla agradável e ainda o Parque Nacional de Jurubatiba. Poderíamos oferecer opções de lazer e atrair turistas que aqui viessem para usufruir da cidade e não somente explorá-la.

Há tempo, tínhamos uma contribuição do turismo no contexto econômico do município. A iniciativa privada fazia a completa promoção da cidade e o poder público não investia um só centavo diretamente na promoção local. Mesmo assim tínhamos um turismo de resultado, que influía na receita municipal e proporcionava a sobrevivência de inúmeras famílias que dele viviam. Pescadores também se beneficiavam, assim como o comércio e as fábricas da cidade: não havia ninguém que voltasse para casa sem levar uma lembrança da cidade.

Comparando com a fase econômica que Macaé atravessa, recursos não faltam para que haja planejamento e investimento no turismo macaense, que poderia ser uma boa fonte de renda para a cidade. Quem sabe um projeto de reurbanização da Praia dos Cavaleiros, afastando os ambulantes e criando condições para estes trabalharem em quiosques, oferendo-lhes oportunidade de crescimento, beneficiando e embelezando a cidade ?

Não cabe a mim buscar soluções, mas deixar aqui meu parecer. Com a receita de hoje, uma parcela da população com alto poder aquisitivo e uma outra parcela necessitando de oportunidade de trabalho, o turismo poderia cobrir o abismo social existente por aqui.

Talvez uma nova caracterização da cidade, uma busca de identidade perdida ao longo dos anos possa ser encontrada nesse segmento, trazendo de volta os ares agradáveis de antes, oferecendo a pessoas oriundas de culturas diferentes uma pouco da nossa cultura, e não permitir que vejamos somente influências negativas. Não se pode ver a situação somente pelo prisma econômico. É necessário analisar fatores sociais , culturais e humanos, num "Texas brasileiro" recheado de diferenças gritantes, que muitos tentam ignorar, mas que nós, macaenses, sentimos na pele.

 

Referências Bibliográficas

BORGES, Armando. História da economia de Macaé. Macaé: Damadá Artes Gráficas e Editora Ltda.

BORGES, Armando. História do Canal Macaé-Campos. Macaé: Damadá Artes Gráficas e Editora Ltda., 2000.

QUEM nasceu em Macaé não quer refinaria aqui. Macaé Jornal, Macaé, 21 a 27 de junho de2003, n.º 277, p. 2

PEREIRA, Dilton. Texas, fronteira com Etiópia. Macaé Jornal, Macaé, 21 a 27 de junho de 2003, n.º 277, p. 2.

Revista Commercial. Macaé, julho de 1923. Única publicação.